quinta-feira, janeiro 10, 2008

Direitos Humanos e a necessidade de uma abordagem universal

Bruno Lindolfo Gomes
Universitário de Direito
e-mail: blindolfo@gmail.com

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é quase sexagenária, no entanto, desde sua criação não houve consenso que pudesse promover sua práxis, o espargir de igualdade, seja civil, econômica, ou social. O único consenso formado até hoje data de sua criação: a idéia de que todo ser humano é detentor de tais direitos, sem distinção de cor, credo, opção sexual e comunhão política. As amarras que atam a socialização dos direitos humanos são exordiais de sua própria criação. Hoje, o maior problema dos direitos humanos é o próprio direito humano da forma como é visto e tratado, ou, mais precisamente, aqueles que se propõem a empunhar sua bandeira.

O ativismo pró direitos humanos virou seara de personalistas emergentes, ávidos por sucesso e projeção política, ou então terreno fértil para o proselitismo político social, onde digladiam-se comunas e liberais, que discutem desde a criação da moeda se a batuta que rege o mundo deve ser impelida pelo privilégio aos direitos civis constituídos ou à promoção social. A fragmentação dos grupos que lutam por tais direitos corrobora a tese de que o mal está na própria gênese - ao que parece, do próprio ser humano, por ser tão egocêntrico.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é extensa. Trata de salvaguardar o seu sujeito de toda e qualquer iniqüidade, violação de direitos e de toda forma de situações degradantes a que possa ser exposto. Na prática, o que se vê é um reducionismo boçal às prerrogativas de certos grupos ou situações, principalmente aquelas que no tal momento possam promover visibilidade política. O que ocorre na postulação prática desses ativistas é simplesmente desigualdade negativa. É interessante defender o meio ambiente, pois é assunto em voga; por conseguinte, traz visibilidade. O mesmo ocorre com o sistema carcerário e os presos que tornam o ativista visível de forma oposta, pois vai de encontro ao asco social pelos indivíduos marginalizados. Repulsa que faz todo sentido numa conjuntura de valores tão revolvidos, que fazem do policial torturador do filme herói da nação. Por outro lado, há uma tendência crescente de vitimização do bandido, trazendo, inclusive, a sensação de que a carta de Direitos Humanos poderia ser renomeada, sem perda de sentido, para Direitos do Cárcere.

O direito humano é heterogêneo, e não pode coexistir com o tendenciosismo do ativismo travestido, que, imbuído de escusos interesses políticos, promove um prosaico “escalonamento de direitos”. Direito devido é macula social, seja qual for a natureza de seu débito. A luta pelo direito como bem comum e universal deve primar pela indivisibilidade, pois não há hierarquia para aquele que tem expectativa de direito - para este, o direito mais importante do mundo é o seu.

Outro fator que inibe o desenvolvimento desta política de direitos é a falta de proatividade, falta iniciativa de promoção contínua de uma sociedade mais justa e digna, é um movimento baseado na reação, desde sua criação, movido por catástrofes ou violações aberrantes de direitos.

O caminho que leva à contemplação de um mundo mais humano e direito é longo, e não começamos nem mesmo a trilhá-lo, afinal, não garantimos o direito mais vital, aquele que em falta torna todos os outros inúteis e inexeqüíveis: a liberdade. Enganam-se os que acreditam que essa foi conquistada na alforria. A escravidão nos dias de hoje foi institucionalizada. Ledo engano, também, dos que acreditam que a liberdade é inerente e ínsita no processo democrático – “ora, porque votam, são livres”, diriam os democratas; esquecem que eleições são decididas pela trela da fome e o jugo da miséria, além, óbvio, de outras razões não tão altruístas sob aspecto sociológico.

O filme “Tráfico Humano” mostra o submundo do tráfico e exploração de mulheres e crianças, atividade extremamente lucrativa e que causa espanto sua ocorrência num mundo extremamente informatizado e cada dia menos intimista, afinal, há uma histeria pública por segurança, principalmente nos EUA. Ironicamente, os norte americanos são um dos maiores financiadores de tal tráfico, que com toda certeza conta com a aquiescência de outros grandes poderios financeiros no mundo. Essas crianças são originárias quase sempre de países pobres, e são vendidas pelos próprios pais. Os pais das crianças de países pobres, os mesmos que vendem seus filhos, são escravos modernos. Os mesmos países que exportam crianças são os preferidos de multinacionais que em busca de mão de obra miserável instalam suas fábricas e manufaturas, onde trabalham inclusive crianças, em troca de salários irrisórios e laborando em condições degradantes, bem como seus pais, os mesmos pais que as vendem imbuídos pela miséria e fome.

Outro filme que retrata a existência de escravos modernos sob as barbas libertárias americanas é o premiado e belíssimo Pão e Rosas, que trata dos transtornos de imigrantes ilegais mexicanos em solo americano. São absorvidos por empresas que terceirizam serviço de limpeza dos grandes prédios empresarias do país, sendo mão de obra barata, atrelados pelo medo de denúncia e deportação, tendo negados direitos trabalhistas básicos e entregues a esmo e fortúnio do destino.

Exemplos não faltam em âmbito nacional, ou no próprio quintal, Campos dos Goytacazes. Em 22 de novembro de 2007, a colunista Miriam Leitão de O Globo, detalha as condições desumanas a que foram encontrados empregados encarregados do corte de cana em Mato Grosso do Sul, o empresário responsável foi notificado pela terceira vez por tal fato, é deste sujeito a responsabilidade de uma das poucas usinas em funcionamento em nossa cidade, a usina Santa Cruz.

Preocupa a ocorrência de tal fato num país que sonha alto a respeito do etanol, o combustível do futuro, que ao que parece não fugirá da sina do desenvolvimento pela dor e exploração. Qualquer direito humano permanecerá sendo violado enquanto não houver a disposição de oportunidades iguais para todos, sem demagogias ou populismos assistenciais.

A luta por esses direitos deve ser universal, ou tornar-se-á fetichismo ideológico e eterna aspiração.