segunda-feira, junho 03, 2013

Entrevista com advogado da Asprim sobre a decisão do TRF-2 e questionamentos sobre licenciamento e desapropriações decorrentes da implantação do Complexo do Açu

Para entender melhor a decisão da 2ª Instância da Justiça Federal da semana passada, noticiada aqui pelo blog, a respeito o licenciamento das obras do Complexo do Açu, especialmente do estaleiro da OSX na área de restinga, e também da relação disto com as desapropriações o blog entrevistou, o advogado da Asprim (Associação dos Produtores Rurais de Imóveis e Moradores do Açu), Cristiano Pacheco. Ele tem formação de mestre em Direito Ambiental pela UCS, é especialista em Direito Ambiental pela UFPEL e atua também como professor, além de advogado.

Abaixo a entrevista na íntegra:

Blog: Considerando a negativa permanente sobre a análise sobre os impactos cumulativos da sinergia dos empreendimentos do Complexo do Açu, o que pode significar esta decisão no TRF?

Cristiano: A decisão do TRF mantém os efeitos da liminar deferida pelo Juiz Federal Vinícius Vieira Indarte, da 1ª Vara Federal de Campos, contra o Ibama. Com isso o Ibama continua obrigado a fazer auditoria no processo administrativo do Inea que concedeu Licença de Instalação em favor da Unidade de Construção Naval – UCN da OSX.

Além disso, o Ibama continua tendo que auditar a área de restinga cortada para a instalação da OSX, indicando a totalidade da área já cortada e até que data teria sido cortada. Isso esclarecerá numericamente o quanto foi cortado dentro da área de preservação permanente – APP. Pelo parecer da Associação dos Geógrafos do Brasil – AGB, anexado ao processo, uma grande parte da área destinada à instalação da UCN da OSX possui vegetação de restinga, ou seja, é especialmente protegida por lei. Haveria uma restrição de espaço importante.

O único êxito do recurso do IBAMA foi retirar a multa diária em caso de descumprimento da liminar. Há entendimento de que não seria correto o IBAMA pagar multa diária uma vez que quem estaria pagando, no fim, seria o povo. Mesmo que muitas pessoas não atentem para isso, a instituição IBAMA e seus servidores são mantidos pelos impostos pagos pelos cidadãos brasileiros e isso inclui, é claro, os moradores de São João da Barra e entorno.

A identificação dos impactos sinérgicos continua sendo uma grande interrogação. A decisão que mantém a obrigação do IBAMA em auditar o licenciamento e as obras da UCN-OSX pode ser um um bom começo para o esclarecimento. Danos em uma área costeira delicada e bem preservada como a da região sempre trazem efeitos ecológicos sinérgicos e consideráveis, e isso é um dos pontos que minha cliente, a Asprim, ataca na ação judicial. O EIA/RIMA é obrigado a explicar isso com clareza, mas não é o que acontece. As empresas X não chegam nem perto disso no licenciamento.

Os dados levantados pelo Ibama nessa auditoria proporcionarão o acesso a dados técnicos e provas que servirão de subsídio para uma provável indenização, caso haja condenação judicial contra as empresas X, com base em cálculo ecossistêmico e responsabilidade civil ambiental por participação de outras empresas e instituições envolvidas, como é o caso do BNDES.

Instituições que de alguma forma apoiaram o empreendimento ou cooperaram com o resultado, também podem ser responsabilizadas. Conforme o princípio do poluidor-pagador, aquele que experimenta o êxito com a atividade danosa, deve ser responsabilizado pelos prejuízos causados.

A auditoria do Ibama está obrigada pela liminar a apontar se houve e em que quantidade houve corte ilegal de área de restinga. Este será um documento importante já que o estudo do Ibama é dotado de fé pública e a autarquia conta com técnicos qualificados.

Nesse ponto, a decisão de primeira instância foi muito acertada. A liminar distinguiu bem o que teria sido corte de restinga autorizado para a construção do suposto porto – de suposto interesse publico, - e o que se trataria de corte para a suposta instalação da Unidade de Construção Naval da OSX. São situações jurídicas ambientais bastante distintas: na primeira há um suposto interesse publico (porto), já na segunda um interesse claramente privado (UCN da OSX).

Blog: Pode-se afirmar que a decisão judicial obriga o Ibama a fiscalizar as obras de implantação do Complexo do Açu?

Cristiano: A decisão liminar obriga o Ibama a fiscalizar apenas as obras da UCN da OSX, no que refere à supressão de área de restinga destinada à sua supressão. O pedido da Asprim é de embargo de todo o empreendimento, já que entende existirem problemas graves no Estudo de Impacto Ambiental, que contaminariam as licenças deferidas. O magistrado entendeu que a necessidade de embargo total só poderia ser provada no transcurso da ação e não seria caso de deferimento antecipado de liminar. Esse foi outro ponto: provar com base em quais dados se o Estudo Ambiental era omisso na maioria dos pontos? Havendo omissão e risco evidente, o habitual é invocar o Princípio da Precaução. Foi isso que minha cliente fez, mas para o Juiz os elementos apresentados não foram suficientes para embargar o resto das obras.

Antes do empreendimento chegar, a região possuía uma das mais bem preservadas áreas de restinga do país, o que seria mais um bom motivo para um licenciamento cuidadoso, inclusive contemplando o Princípio da Precaução.

Pelas informações disponíveis no processo judicial, uma boa parte desta área já teria sido suprimida antes do deferimento da liminar. A auditoria do Ibama  esclarecerá isso. Aliás, boa parte das obras foi feita durante o longo ano que se passou se discutindo na justiça a competência do Juiz para julgar a liminar. Vale lembrar que as liminares foram distribuídas em caráter de urgência, pessoalmente por mim, minha cliente, Juiz Federal e MPF.

Caso haja condenação, como referido acima, a auditoria do Ibama será importante para iniciar a quantificação dos danos, o prejuízo na função ecológica e geológica que a restinga presta ao meio ambiente local, as lagoas, quantos animais ali viviam e morreram e quantos deixarão de nascer por causa dos danos, qual o impacto desses animais nos ecossistemas na condição de polinizadores da restinga, danos e riscos às espécies vivas interdependentes, amaçadas, sobrexplotadas, a salinização das lagoas doces, a possível contaminação do lençol freático, a qualidade de vida da comunidade afetada, assim por diante.

Essa “conta” ecossistêmica, por exemplo, já foi feita para a instalação da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. O valor atingiu uma quantia impagável, muito maior que o custo de instalação e energia produzida. Isso sem referir que foram utilizados dados estimativos a menor, diante do pouco conhecimento disponível sobre o equilíbrio hídrico da região do Xingú e seus impactos sinérgicos. Bem, e o Princípio da Precaução, o que teria a ver com a Belo Monte? Tudo a ver, mas os técnicos e empreiteiras fingem que não, preferem não tocar no assunto, inclusive o governo.

Voltando para a decisão, mesmo que esteja em discussão a competência do Inea para licenciar, nada impede que o Ibama atue como fiscalizador. A lei assim permite e nesse ponto pareceu bastante correta a decisão, confrmada pelo TRF. O Ibama deve recorrer, mas não acreditamos que a decisão será revertida nesse ponto.

O Inea não deveria temer essa fiscalização, até mesmo porque o Ibama só tem a ajudar, tem muito mais experiência em licenciamentos em área costeira do que o Inea. Uma pena mesmo foi o fato do primeiro Juiz Federal Dr. Elder Fernandes Luciano, da 1ª Vara Federal de Campos, ter se manifestado incompetente para julgar as liminares em 08.02.12, quando a Asprim despachou referindo a urgência e o risco de danos ambientais, que já estavam acontecendo. Com a manifestação de incompetência para julgar, o processo foi remetido para a Vara Federal do Rio de Janeiro, depois ao TRF 2, para então só depois voltar para a Justiça Federal de Campos onde a Asprim havia ingressado com a ação, um ano antes..

Com a enorme burocracia processual se perdeu um ano e nesse período as obras e as dragagens da OSX avançaram. É claro que a burocracia não travou as operações na Bolsa de Valores.

Outro fator que merece crítica construtiva, e que a faço com muita tranquilidade na condição de cidadão brasileiro, é o fato da demora do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro para agir. Em uma das inúmeras vezes que fui a São João da Barra para reuniões e condução do processo com minha cliente, a Asprim, fui informado que o MPE mantinha desde 2006 um grupo de estudos que debatia o Distrito Industrial, com ampla quantidade de informação sobre os problemas e riscos ambientais. Até o ingresso da ação da Asprim o MPE não havia promovido nenhuma iniciativa judicial ou Termo de Ajustamento de Conduta – TAC.

Ao ingressar com a ação, a Asprim entregou em mãos ao Promotor de Justiça de São João da Barra cópia da ação civil pública, ocasião em convidou o MPE para ingressar com outras ações também, para agregar forças. Mesmo diante da urgência, o Ministério Público demorou meses para agir.

O Brasil é um país jovem e sofre do histórico problema da baixa escolaridade. A população ainda está aprendendo a pensar e agir com cidadania. Tanto o Ministério Público quanto a Defensoria Pública são instituições pagas por nós, pagantes de impostos. A função delas é zelar pelo cumprimento das leis, investigar, proteger o cidadão e o meio ambiente. Se eventualmente falham no cumprimento de sua função institucional, que justifica sua existência, devem sim serem criticados e pressionados. Nada mais saudável e positivo para uma nação do que proceder assim, denunciando, reclamando, tornando públicos os problemas. Isso se chama cidadania.

Nem Ministério Público nem Defensoria Pública estão ali fazendo favor a ninguém. Fiscalizar a lei é obrigação delas e a dos cidadãos é denunciar, representar, conforme autoriza o art. 225 da Constituição Federal.

Blog: Qual a expectativa dos autores (Asprim) com esta ação e com estas duas decisões favoráveis?

Cristiano: O embargo das obras da OSX foi importante pois sinalizou obscuridades no licenciamento, a começar pelo que você bem mencionou, os impactos ambientais sinérgicos. Na forma digamos assim “mastigada” e fragmentada do Estudo de Impacto Ambiental, não é possível apontar qual o somatório dos impactos e isso viola a lei. São 11 tipos de impacto, alguns de nível gravíssimo como petróleo  refinaria e mineração, envolvendo mais de uma dezena de empresas a ocupar o patio industrial. Isso pelo menos conforme o projeto inicial que consta no EIA/RIMA.

Vale refletir que do século XVIII para cá podemos dizer que apuramos nosso conhecimento sobre o meio ambiente. Hoje, sabemos que os ecossitemas não funcionam de uma forma cartesiana, matemática, onde somar 3 árvores + 5 seres vivos + ½ hectare de restinga seria igual a um ambiente sustentável. A visão de Descartes sobre os seres vivos está totalmente superada hoje, talvez tenha nascido superada.

Vale a reflexão acima para os licenciamentos. Sabidamente há um equilíbrio delicado na natureza, uma certa sutileza que a técnica hoje disponível permite ver e que não é novidade. Vejamos a visão sistêmica de indígenas Sioux de Dakota do Sul, Estados Unidos. Ainda no século XVIII eles já pensavam e falavam o que Fritjof Capra reedita hoje, no seculo XXI. Capra admite esse mero resgate da cultura indígena em suas obras.

Poderíamos falar também da Ecologia Profunda, de constituições latinas realmente modernas no trato da natureza, como a Constituição do Equador (natureza como sujeita de direitos, Pachamama), considerada a mais moderna do mundo no trato dos homens com a natureza. Todas já ultrapassam e desafiam a vigente e restrita visão antropocêntrica, que para muitos é atrasada e facilita inúmeros riscos ambientais. O tema é interessante, talvez mais efervescente no meio acadêmico do que na prática.

Bem, dei toda essa volta para dizer que, é da cegueira quanto a essas sutilezas invisíveis e sistêmicas da natureza, da falta de uma melhor técnica na produção e dentro dos licenciamentos, que reside os riscos ambientais. Com licenciamentos retrogrades e arriscados desafiamos a resistência da natureza, a resiliência de seus sistemas vivos que tornam viável a vida humana.

Partindo dessa linha mais lúcida, não podemos ser irresponsáveis e hipócritas. É preciso encarar o fato de que os licenciamentos precisam ser modernizados, necessitam atualização ao tempo em que vivemos, na chamada “sociedade de risco”.

Precisamos admitir que muitos licenciamentos acabam intencionalmente tapeando a população afetada, pecam pela falta de informação, clareza. Adotam o arcaico estilo pro forma, levando à população pouco ou nada sobre as consequências que estão em jogo.

O EIA do Distrito Industrial do Acú tem exatamente esse DNA. Em alguns trechos lembra aqueles manuais sobre biomas brasileiros que distribuem em congressos e palestras. Descrevem com detalhes a vegetação de restinga, as lagoas e animais que ali habitam, porém esquecem de explicar o mais importante, ou seja, os impactos envolvidos, os riscos de salinização das lagoas, os danos causados pelo emissário marinho de resíduos, a frequência e intensidade das dragagens, seus impactos marinhos e costeiros, e assim por diante.

Os impactos ambientais precisam estar claros no licenciamento, precisam ser de fácil compreensão por aqueles que justificam sua existência: a sociedade. Ao falar de meio ambiente falamos de direitos coletivos. Esse espírito de informação e clareza buscado na ação judicial, não se trata de mera implicância da Asprim, mas sim uma obrigação legal prevista na Resolução 237 do Conama e na Constituição Federal. Não se trata de ser contra o empreendimento, mas sim contra a locação escolhida e os critérios que autorizaram as licenças.

Blog: A decisão traz alguma repercussão para os pequenos proprietários rurais atingidos pela salinização do solo?

Cristiano: A decisão, como já dito acima, é direcionada à área de instalação da UCN da OSX. Ainda é cedo para prever o que pode acontecer, tendo em vistas as inúmeras obscuridades em torno do empreendimento. Quanto aos efeitos da salinização talvez melhor a visão de um técnico, se há forma de remediar os danos, em que parcela isso é possível e se é possível. Ao que tudo indica, já existem danos indenizáveis. No campo jurídico aconselhei aos associados da Asprim ficarem atentos às desapropriações, aos obrigatórios mandados de imissão de posse que precisam ser apresentados no ato da desapropriação. Aconselhei a acompanharem de perto a situação e os próximos andamentos.  

A ação que a Asprim move não deixa de atacar indiretamente as desapropriações, a pertinência delas pois estão ocorrendo dentro da área do projeto do Distrito Industrial. Uma considerável parte dos 7.200 ha anunciados para o empreendimento é de preservação permanente, protegidos por lei ambiental federal, sem referir a área costeira, lagoas,  entorno afetado, impactos sinérgicos, etc.

A Asprim ingressou com uma segunda ação civil pública na Justiça Federal de Campos. Infelizmente ela está tomando o mesmo rumo da primeira, ou seja, o magistrado se manifestou incompetente para julgar e remeteu para a Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Se trata de um novo pedido liminar de exibição de documentos contra a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro – CODIN e Inea, onde a Asprim solicita a lista completa de despropriações feitas até o presente momento, as que estão em andamento e as demais programadas. De posse dessas informações, que curiosamente vem sendo negadas pelo Codin desde abril de 2012, a Asprim ingressará com novas medidas contra o licenciamento.

Há uma dúvida “física” sobre a real necessidade de continuarem as desapropriações, uma vez que boa parte das empresas que ocupariam os 7.200ha desistiu de se instalar no empreendimento.

Estamos tentando obter essa documentação administrativamente via protocolo junto ao Codin desde maio de 2012, mas os documentos estão sendo negados. Assim, só restou novamente o lento judiciário.

Outra controvérsia difícil de conciliar é o fato de que as empresas de Eike Batista estão efetuando demissões em massa nas obras no Açu, sendo que o grupo empresarial, conforme vem veiculando a mídia, está vendendo boa parte do controle acionário de algumas empresas do grupo. É inegável e notória a turbulência financeira do grupo X.

Recentemente operários denunciaram que estariam recebendo salário sem trabalhar ou sem sequer terem pisado no canteiro de obras, o que gera ainda maior curiosidade sobre o que realmente está acontecendo lá. O que está ficando claro é que dificilmente a antes promissora obra do PAC, com apoio irrestrito do Governo Federal e Estadual, terá o mesmo formato e tamanho inicialmente apresentado. Nos parece que sequelas morais já estão aparecendo.

Há um anúncio no site da LLX de que a Petrobrás estaria interessada nas obras do distrito mesmo nas condições atuais, embargadas judicialmente e inacabadas. É um pouco estranho esse anúncio uma vez que para que isso ocorra de forma legal, seria necessário um novo Estudo de Impacto Ambiental e a expedição de três novas licenças: a Licença Prévia, a de Instalação e a de Operação. Isso é o beabá da Lei Ambiental. Além disso, seriam obrigatórias três novas publicações em jornais de grande circulação, dando publicidade ao novo EIA/RIMA. A lei ambiental não permite nem cria exceção para cessão de licenciamento a um terceiro  empreendedor, em um processo administrativo desta magnitude, impacto e risco ambiental e econômico.

Falando um pouco do momento de crescimento do país e da “era dos PACs”, acompanhado por um certo açodamento e risco, a lei ambiental precisará acompanhar e tende a se modernizar, inclusive no campo da responsabilização criminal. Vale referir recente evento internacional em que palestrei, o II EIDAM – Encontro Internacional de Direito Ambiental na Amazônia, em Macapá, no Amapá. Diversos colegas, dentre advogados, juízes federais e promotores de justiça do Brasil fizeram proposições para a alteração da Lei de Crimes Ambientais. Sugeri uma adição na lei para que o mal uso do processo de licenciamento, no sentido de ser encaminhado à administração com objetivo de obter vantagem financeira ilícita diante de investidores e bolsa de valores, fosse considerado fraude com pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa.

A proposição que fiz vai além do art. 69-A da Lei de Crimes Ambientais, que fala em fraudar documentos no licenciamento. Sugere a fraude, ardil por meio da má utilização do Estado Administração (licenciamento) e da Bolsa de Valores. Pode ser também combinada com a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (Lei 7.492/86, art. 9°).

A proposição foi bastante aplaudida e isso indica que essa pode ser uma lacuna a ser preenchida como auxílio à repressão desse tipo de fraude ambiental.

Toda problemática produtiva e ambiental vem sofrendo forte pressão e o direito ambiental precisará acompanhar. Eventos como o EIDAM são fundamentais para fomentar esses debates no campo acadêmico e também formular sugestões de alterações de lei.

Blog: O que mais pode ser interpretado desta decisão em instância superior à local?

Cristiano: O caso é complexo e a Asprim precisou agir rápido com o que tinha em mãos, pois as obras já haviam iniciado. A associação focou nos problemas mais graves e onde parecia haver mais chances de embargo.

Um dos pedidos liminares era a suspensão das dragagens da OSX para abertura do calado marinho, até que o EIA/RIMA fosse complementado. Essa obra era sem dúvida uma das mais impactantes ao ambiente, e uma das mais polêmicas também.

Na primeira reunião com a Asprim fiz questão de conhecer pessoalmente as obras. Eu e o Rodrigo, vice-Presidente da Asprim, filmamos e fotografamos o início da dragagem do calado da OSX, quando era apenas um pequeno córrego cruzando a restinga.

Um ano de burocracia processual foi o necessário para que o canal ficasse pronto. Daí ocorre o tal “fato consumado”. Perde o sentido discutir o embargo de uma obra, pois ela já está pronta, restando apenas apurar eventual  indenização, ou compensação, caso se consiga provar algo ilegal.

As ações ambientais movidas por ONGs em grande maioria são movidas quando o dano já está acontecendo. O ideal é questionar os licenciamentos quando ainda estão no órgão ambiental, ou quando recém foram publicados. A demanda judicial não é a única via de cumprimento da lei, muito menos a mais forte, como muitos pensam. É preciso combiná-la com debates, protestos, articulação e pressão na mídia. A Asprim começou muito bem essa articulação. Organizou um debate convidando as empresas, diretores, Governo do Estado do RJ, Codin, órgãos ambientais, MP e até mesmo o Sr. Eike Batista. Claro que ninguém foi, apenas os proprietários comparecerem. Nem mesmo o Ministério Público compareceu.

Funcionou melhor do que se todos tivessem comparecido. O evento foi uma verdadeira bomba na mídia eletrônica, pois a ausência em massa demonstrou que algo andava muito mal. A Asprim jogou isso contra as empresas, Inea e Codin. As estratégias precisam ser montadas, arquitetadas. A judicial é só uma das ferramentas. Ela sozinha tem se mostrado insuficiente, ainda mais quando falamos de empreendimentos desse porte, com amplo apoio do Governo Federal.

Blog: Quanto ao licenciamento ambiental de grandes empreendimentos no Brasil, haveria alguma comparação interessante a fazer com o caso do Distrito Industrial do Açu?

Cristiano: Há uma comparação interessante a ser feita com o caso clássico da Hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. Uma das semelhanças mais marcantes – além do altíssimo risco ambiental e social - é a falta de esclarecimento técnico sobre a totalidade dos danos e os impactos sinérgicos. Falo também dos impactos daqui a 100, 200, 700, 10.000 anos. Essa previsão é necessária já que a Constituição fala em gerações futuras, certo? Futuras gerações e passivos ambientais futuros são uma grande interrogação e inconveniência em ambos empreendimentos, não esclarecidos pelo EIA/RIMA.

Outra comparação curiosa seria a pouca atenção que a grande mídia dá a ambos casos. Recentemente, a obra da Belo Monte permaneceu dias totalmente suspensa por uma invasão. Soube disso pelo Facebook e conferi com um jornalista de Belém do Pará a origem da notícia. Isso só foi aos jornais e TVs dias depois e ainda assim de forma breve, quando a força militar já havia controlado a situação.

Recentemente o maior jornal do Rio Grande do Sul veiculou uma matéria de três páginas sobre o empresário Eike Batista e sua trajetória. A matéria está há milhas de ser uma promoção de suas ousadas empresas. Mesmo assim não relata fatos importantes. Não menciona as seis ações civis públicas ambientais contra o Distrito Industrial do Açu movidas pelo MPF/MG, MPF/RJ, MPE e quatro ONGs. Também não menciona que a Procuradoria da República de Campos conduz inquérito investigativo por suposta formação de milícias envolvendo a Polícia Militar do RJ e seguranças privados da LLX. Não menciona a operação pororoca da Polícia Federal em Macapá, no Amapá, que investigou problemas em licitações e danos ambientais na construção de um porto na região. Não menciona a expulsão da OSX em Florianópolis por problemas ambientais, dentre outras.

Açodamento em um setor complexo e arriscado como o do petróleo em geral não acaba bem. Veja a expulsão da OSX em Biguaçú, SC, em 2010. O positivo de mobilizações bem organizadas e conduzidas como essa - que agora parece que se repetirá em São João da Barra – é que elas ajudam a criar uma cultura de união, cuidado com o meio ambiente, exigência pelo cumprimento da lei e articulação da sociedade civil.

As pessoas e associações descobrem que podem agir por si próprias, independente da vontade do governo ou do Ministério Público. Como advogado, fiz isso por anos representando associações. Tombamos um processo junto ao Patrimônio Histórico do TRF 4, obtivemos liminares na Amazônia enviados de Porto Alegre, RS, via fax. Como agíamos antecipadamente ao MP, claro que desagradava a alguns que não gostavam de ver associações civis e voluntários fazendo com êxito o que eles deveriam estar fazendo por obrigação, pois são assalariados para isso. Já outra parte deles nos aplaudia e ainda nos aplaude. É difícil agradar à todos. Admiro muito os que continuam nos aplaudindo, inclusive professores e Promotores de Justiça de outros países.

Em Florianópolis, depois da desistência da OSX, certamente não será qualquer Audiência Pública com pipoca de graça e meia dúzia de promessas que irá enganar o povo local. Ganharam experiência lutando. Isso é muito positivo pois cria uma espécie de marco regulatório comunitário, e isso é saudável, força um profissionalismo nos licenciamentos e reprime aventureiros.

Empreendedores com visão medieval dos negócios, ao estilo 360 graus, tendem não só a se tornarem ridículos ante a um mercado cada vez mais exigente e esclarecido, mas também a enfrentarem cada vez mais resistências frente a opinião pública e consumidores em tempos de crise ambiental.

A tentativa de instalação do Porto do Açú mal começou e já abriu fissuras e rendeu artigos acadêmicos em congressos nacionais e internacionais, inclusive junto a evento do Banco Mundial, em Washington, Estados Unidos. É importante denunciar quando há ilegalidades. Todos ganham com isso, até mesmo os empreendedores que aprendem à força a abandonar velhos hábitos, tendo aos poucos que substituir consultores superados por técnicos mais capacitados, modernos e sintonizados com o tempo em que vivemos.


Como diz Henrique Leff, “a modernidade questiona as próprias bases da produção”. É esse o desafio das empresas. É preciso encará-lo com honestidade e sem ingenuidades, conscientes do tamanho do problema e das inúmeras dificuldades produtivas que precisaremos enfrentar se quisermos mesmo conciliar crescimento com qualidade de vida e prosperidade. Os licenciamentos ambientais são como o Direito, um fenômeno social. Eles precisam acompanhar o tempo, não caminhar contra ele, como é o que parece tentar fazer o Distrito Industrial do Açu e as polêmicas empresas X.

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